Em vigor
desde esta quarta-feira (3), o novo limite dos juros do rotativo do cartão de
crédito é um importante passo para reduzir o endividamento no país, dizem
especialistas. Eles alertam, no entanto, que a medida vale apenas para novos
financiamentos e, mesmo com a redução, os juros continuam altos, e os
consumidores devem tomar cuidado para não se endividarem ainda mais.
Quando o
consumidor não paga o valor total da fatura do cartão de crédito até o
vencimento, automaticamente entra no crédito rotativo. Ou seja, contrai um
empréstimo e começa a pagar juros sobre o valor que não conseguiu quitar. O
problema é que a taxa do rotativo está entre as mais altas do mercado.
Segundo os
dados mais recentes do Banco Central (BC), em outubro juros do rotativo do
cartão de crédito estavam, em média, em 431,6% ao ano. Isso significa que uma pessoa que entre no rotativo em R$
100 e não quita o débito, deve o equivalente a R$ 531,60 após 12 meses.
Após 30 dias
no crédito rotativo, os consumidores devem quitar a dívida ou entrar no crédito parcelado e negociá-la com as
instituições financeiras.
Agora, essa
taxa de juros no rotativo terá um teto de 100%. Quem deixa de pagar uma fatura
de R$ 100, por exemplo, pode ter que pagar, no máximo, o equivalente a R$ 200
após 12 meses.
Segundo o
diretor Executivo do Procon-SP, Luiz Orsatti Filho, a medida é um passo
importante. No entanto, acredita que a taxa idealmente deveria ser ainda menor.
“[A medida] vai beneficiar o público em geral e não apenas o superendividado,
que tem essa dívida com o cartão de crédito, mas o público em geral que, às
vezes, precisa fazer algum tipo de financiamento”, diz. “Para um país como o
Brasil, esse índice infelizmente ainda é muito alto. É um passo importante, mas
ainda temos muito a caminhar, mas não deixa de ser um passo importante”,
acrescenta.
ESTATÍSTICAS
No Brasil,
três a cada quatro famílias estão endividadas. Segundo a Confederação Nacional
do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 76,6% das famílias brasileiras têm dívidas a
vencer em cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito
consignado, empréstimo pessoal, cheque pré-datado e prestações de carro e da
casa. O maior percentual de dívidas em atraso (36,6%) é dos consumidores de
baixa renda, de até três salários mínimos.
A pesquisa mostra
também que o cartão de crédito ainda é o mais usado pelos endividados,
atingindo 87,7% do total de devedores. “Qualquer crédito deve ser a última
opção de qualquer situação. Pode ser uma emergência, pode ser o acaso, mas deve
ser a última opção, e claro, procurar instituições financeiras autorizadas pelo
Banco Central, não qualquer tipo de agente não oficial. E, claro, buscar o
crédito mais barato, seja ele consignado, pessoal e, por último o rotativo”,
diz Orsatti Filho.
CRESCIMENTO ECONÔMICO
Segundo o
presidente do Instituto Locomotiva e fundador do Data Favela, Renato Meirelles,
a medida é acertada, uma vez que o rotativo é uma das maiores causas do
endividamento. “Os juros do rotativo eram maiores do que os que qualquer
consumidor de baixa renda pagaria a um agiota do bairro onde mora, por exemplo.
Sei que a frase é forte, mas é uma verdade absoluta. Não tinha nenhum modelo de
empréstimo que cobrava mais juros do consumidor e acredito que o crédito
rotativo é o verdadeiro responsável pela inadimplência”, ressalta.
À medida que
a inadimplência cair, diz Meirelles, surgirão novas necessidades dos
consumidores. Além disso, novas condições econômicas provocadas pela redução
dos juros deverão influenciar a decisão das autoridades e dos bancos. “Se isso
vai levar a uma queda ainda maior dos juros, isso o tempo vai dizer. Mas o que
a gente vê é um incentivo, um caminho da economia nacional de redução da taxa
de juros, o que tem impacto grande na redução da inadimplência, de um lado, e
no aumento do crédito à população de menor renda, por outro, o que incentiva o
crescimento de toda a economia”, diz.
Pesquisas
realizadas pelo Instituto Locomotiva em setembro de 2023 mostram a importância
do crédito para os brasileiros, que acabam usando a modalidade para comprar
bens de necessidade e também para realizar sonhos. Meirelles destaca também a
importância da modalidade de parcelamento sem juros, cuja mudança ou extinção chegou a ser cogitada
em 2023.
De acordo com
o Instituto Locomotiva, a inadimplência chega a 50% entre aqueles que
parcelaram com juros, caindo para 33% entre os que parcelaram a compra sem
juros. Por isso, para Meirelles, a redução do juro do rotativo foi acertada e
terá impactos positivos.
ADEQUAÇÃO
DOS LIMITES
Para a
professora de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) Myrian Lund, a redução
da taxa de juros deverá fazer com que os bancos e as instituições financeiras
reduzam também os limites dos cartões de crédito “Cada banco te dá um limite
astronômico e isso acaba levando as pessoas a consumir mais que a capacidade de
pagamento”, diz.
Com a queda
dos juros, as instituições deixarão de ganhar com as taxas dos endividados e
isso poderá fazer com que revejam os limites, adequando-os à capacidade de
pagamento de cada consumidor. “O limite do cartão acaba virando complemento da
renda. Na verdade, o que precisa é um processo de educação financeira, onde tem
que se adequar ao que ganha”.
A taxa de
100% da dívida total, diz Lund, continua alta. Por isso, a professora da FGV dá
algumas dicas aos consumidores para evitar o endividamento. Primeiro, ter
apenas um cartão de crédito ativo. “A nossa mente não soma os vários cartões
que tem, sempre acha que gastou pouco”, justifica.
A segunda
dica é reduzir o limite do cartão, para evitar gastar além do que se pode
pagar. E, por fim, evitar o parcelamento sem juros, a não ser para bens de
maior valor como um notebook ou uma geladeira, evitando usar
essa modalidade em compras diárias, como roupas, farmácia ou mercado. “Teria
que guardar dinheiro para pagar no mês seguinte e são raríssimas as pessoas que
fazem isso”, diz a professora.